Saturday, March 08, 2008

Retorno

Meses para ter a coragem de voltar a escrever. Meses para começar a debater e enfrentar. Meses para sair do estado de entorpecimento e refletir sobre o que passou e o que é agora.
E aqui estou, sem saber ao certo por onde começar ... Talvez um resumo sobre como foi o ano de 2007, que passei sem postar sequer um dia... Para que o presente faça algum sentido.

Início de 2007 - Morava em uma república, cursava faculdade. Fui operado nas duas pernas e acabei por voltar a morar com meus pais. Por alguns motivos parei de estudar e, na mesma época, meu pai ficava mais doente _ e comecei a ajudar minha mãe a cuidar dele. A doença evolui bastante - aos poucos ele foi parando de se alimentar sozinho, quase não falava, parou de se locomover ... O Mal de Alzheimer e a Esquizofrenia avançaram de uma forma implacável, impiedosa...
Alguns momentos marcantes deste período :

_ Ir levar meu pai ao médico, enquanto ele ainda falava _ e a médica, em sua avaliação, perguntar para ele : _ " Sr. Francisco, o sr. sabe em que mês estamos? Em qual dia da semana estamos? " E ele _ com aqueles olhos pequeninos, olhando para o chão, rosto inexpressivo : " _ Não senhora... não sei... "
_ Vê-lo tentar assinar o nome e não conseguir...
_ Vê-lo esperar visita dos meus irmãos ou telefonema, aos domingos, e se frustrar...
_ Dar comida na boca dele, dar banho, trocar fraldas, fazer a barba... Colocá-lo na cadeira-de-rodas e levá-lo para ver o mar, sem saber que aquela era a última vez...
_ Pedir perdão pelos meus erros como filho e ouvir um " tá tudo certo filho ... " , falado numa voz fraquinha... quase imperceptível...

Neste meio tempo perder 2 amigos, ambos da minha idade, em acidentes de carro, no espaço de pouco mais de 1 mês, rapazes que conhecia há anos...

No meio do ano, perdi meu pai... No hospital, era final de tarde, domingo, o sol estava começando a se pôr e os raios alaranjados entravam pelo quarto e refletiam na parede em frente a cama que ele estava. Ele me chamou, tentava dizer algo, ms não conseguia, a expressão dele era de medo _ acho que nunca vi olhos tão assustados em toda minha vida... Fiz uma oração, pedi a Deus para confortá-lo, beijei a testa dele e ele se acalmou aos poucos e começou a adormecer... E em menos de 1 hora ele partiu...
Cuidei de avisar parentes, funerária, separei meu terno para ele usar. A madrugada foi longa, eu em choque mas com uma firmeza que não sei de onde saiu. Parecia até frieza. Dentro meu coração não processava ainda a dor de saber que não voltaria a abraçá-lo, ou vê-lo tirar sarro da minha mãe ou mesmo implicar comigo por alguma coisa.

Após a partida dele, passamos por um período difícil psicologicamente e financeiramente - posto que eu estava desempregado e minha mãe não tinha renda. Mas, embora o desespero gritasse algumas vezes, no coração a certeza que Deus olha por nós e que de tudo podemos aprender algo positivo nos confortava.
Consegui emprego em uma transportadora como assistente financeiro, mas não estava pronto para ficar o dia inteiro sentado em frente a um computador fazendo cálculos, sem conversar com pessoas, com uma rotina pesada e sem calor humano. Em pouco tempo pedi demissão e consegui um emprego numa cia de cruzeiros marítimos, atendendo passageiros _ um trabalho mais dinâmico, que me deixa mais satisfeito.

Eu e minha mãe pintamos o "apertamento" e fizemos algumas mudanças e resolvemos ficar por aqui mesmo por algum tempo _ talvez o tempo do "entorpecimento" _ até sairmos deste estado estranho que, de certa forma, ainda nos encontramos.

2007 foi um ano de choques, perdas, e prováveis ganhos de "crescimento" interior _ que para mim talvez seja traduzido em recolhimento e afastamento de relacionamentos em geral.
Tudo passou a ter outra medida. Isso eu sei. E meu maior medo é que essas novas perspectivas me afastem mais da maioria _ e eu não saiba encontrar minhas soulmates.



Filme-tema de 2007 : " AS HORAS" ( Assisti com meu pai, e ele : "_sempre as horas... essas malditas horas..." )

Músicas-tema de 2007 : " Como uma Onda" - Lulu Santos.
" Hurt" - Christina Aguilera.
" Never is a Promise" - Fiona Apple.